Mãos
ao ar, isto é uma assembleia-geral! (BESA)
07.02.2019
Álvaro Sobrinho conta tudo, numa entrevista explosiva
que acompanha a investigação da VISÃO
José Carlos Carvalho
Não tenhamos dúvidas: a versão que hoje trazemos a público, denunciada
agora pela primeira vez em Portugal por Álvaro Sobrinho com detalhes e
documentos inéditos, relata um golpe palaciano para espoliar um banco português
em Angola. Pequeno detalhe: um banco de um grupo que faliu, que deixou mais de
quatro mil pessoas sem as suas poupanças e no qual, todos nós, os portugueses,
já metemos mais de 5 mil milhões de euros.
Numa fatídica manhã de Outubro
de 2014, ainda José Eduardo dos Santos e a sua entourage estavam de plena força
no poder, Portugal perdeu para Angola mais de três mil milhões de euros. Tudo
aconteceu numa assembleia-geral do BES Angola (BESA) em Luanda, onde o BES, o
accionista maioritário, com mais de 55% do capital, sem sequer estar representado,
foi expulso pelos accionistas minoritários – várias figuras e entidades ligadas
ao regime angolano, entre as quais o general Dino e Zandre Campos Finda,
conhecido por ser testa de ferro dos homens do Presidente, Kopelipa e Manuel
Vicente. A mesma reunião em que o Novo Banco, que três meses antes tinha sido
constituído para ficar com os activos “bons” do banco que implodiu em Agosto de
2014, ficou sem 80% do capital que emprestara nos anos anteriores ao BESA.
Morria assim o BES Angola, que alegadamente estava falido, e nascia o Banco
Económico, que ainda hoje está a funcionar, aparentemente de boa saúde, com os
mesmos accionistas e a Sonangol. Tudo isto, com o suporte – e alegado incentivo
– da autoridade de supervisão angolana, o Banco Nacional de Angola, e todos os
poderosos do regime.
Esta história, que nas páginas
da VISÃO revelamos com detalhe depois de uma investigação de vários meses, tem
contornos de policial, com pormenores rocambolescos como o facto de a
representante do BES ter sido retida numa operação de trânsito que determinou
que chegasse atrasada, já depois de tomada a decisão que excluiu o accionista maioritário. A assembleia-geral parece, à luz de qualquer lei de direito
comercial, altamente ilegal. Não tenhamos dúvidas: a versão que hoje trazemos a
público, denunciada agora pela primeira vez em Portugal por Álvaro Sobrinho com
detalhes e documentos inéditos, relata um golpe palaciano para espoliar um
banco português em Angola. Pequeno detalhe: um banco de um grupo que faliu, que
deixou mais de quatro mil pessoas sem as suas poupanças e no qual, todos nós,
os portugueses, já metemos mais de 5 mil milhões de euros.
Em causa está apenas isto:
afinal, o BESA pode não ter falido, como sempre se disse, mas tudo terá sido
orquestrado de forma a afastar os portugueses e a não pagar uma dívida. Só que
os dados da falência do BESA e as respectivas imparidades que explicam o seu
suposto mau estado nunca foram conhecidos sequer pelo Banco de Portugal.
Sobrinho fala em “assalto aos
portugueses”, Salgado, confrontado com factos e detalhes que desconhecia, fala
ironicamente, claro está, em “presente a Angola” oferecido pelo “Banco de
Portugal e pelas instituições financeiras que resultaram da resolução”, ou
seja, o Novo Banco e o BES. Neste ponto ambos concordam, mas depois é ver cada
um a atirar as culpas ao seu regulador: Salgado, como tem sido o seu discurso
habitual à entidade de supervisão nacional; Sobrinho defendendo-se das
acusações de ter mal gerido o banco, apontando o dedo ao anterior regime, que controlava
tudo a bel-prazer. E porque fala ele então agora? Porque com o novo Presidente
angolano, João Lourenço, o regime mudou e já pode denunciar os abusos de poder
que antes tinha de aceitar.
Mas o que mais salta à vista
nesta história é, de facto, a passividade nacional. A verdade é que ninguém
contestou a decisão tomada em Luanda, naquela assembleia-geral: nem o governo
de Passos Coelho, nem o Banco de Portugal, nem o Novo Banco. Apenas a comissão
liquidatária do BES “mau” tem vindo a contestar e a impugnar judicialmente em
Angola este processo, sem grande esperança de alguma vez vir a ser ressarcida
Há muitas dúvidas e perguntas
para responder nesta história, nomeadamente se a garantia soberana irrevogável
de 5,7 mil milhões de dólares (cerca de 4,2 mil milhões de euros, à data), que
o Estado angolano deu ao BESA e revogada depois unilateralmente pelo Banco
Nacional de Angola com as primeiras notícias da resolução do BES, poderia ter
efectivamente salvado o banco da falência, como alega Ricardo Salgado. Falhou o
Banco de Portugal ao não ter confrontado Angola? Nunca saberemos ao certo. Mas
o que queríamos saber, por exemplo, é o conteúdo de uma investigação do Boston
Consulting Group que terá apontado para falhas graves na actuação do governador
Carlos Costa e que o Banco de Portugal insiste em manter secreto (invocando que
contém dados sigilosos), apesar dos pedidos do Parlamento, sem sucesso, para o
conhecer. Talvez encontrássemos algumas surpresas (quiçá pouco surpreendentes),
tal como aconteceu agora com a Caixa Geral de Depósitos...
(Editorial da VISÃO 1353 de 7 de
Fevereiro)
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