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BES, o Buraco dos Espírito Santo (Parte 1)
BES, o Buraco dos Espírito Santo (Parte 1)
A 4 de Agosto de 2014, o Banco Espírito Santo (BES) deixou de o ser. O segundo semestre do ano termina com um prejuízo de 3,6 mil milhões €, valor nunca antes registado em Portugal.
Mas vamos por partes.
A crise internacional
Todos os acontecimentos que envolveram o GES, nos últimos meses, são enquadrados pela crise financeira e económica mundial, iniciada em finais de 2007. Como sabemos, esta crise mundial precipitou massivas falências de empresas por todo o globo. O investimento recuou. O desemprego cresceu exponencialmente e o consumo foi afectado.
Através da diminuição das receitas provenientes dos impostos (sobre o consumo e rendimentos em declínio) e do aumento das despesas (predominantemente, através da injecção de dinheiros públicos em buracos e fraudes financeiras), as finanças estatais são abaladas. Os défices dos Estados aumentam, alimentados por um galopante endividamento interno e externo (dívida pública). Os Estados necessitam de um crescente volume de financiamento.
A pressão dos mercados financeiros sobre as finanças públicas vai crescendo e os governos dos vários países fazem recair a factura da bebedeira financeira sobre as costas das suas populações. Este é o retrato desde finais de 2007.
Em Portugal, o Governo Sócrates aplica 3 Planos de Estabilidade e Crescimento (PEC). A razia sobre o nível de vida da população é de tal ordem que o PEC 4 é chumbado nas ruas com as gigantescas mobilizações de 12 de Março de 2011. A 23 de Março de 2011, apenas 11 dias após aquela mobilização, o Governo Sócrates cai. Por esta altura, estava também perturbada a banca nacional, com um endividamento externo no limite e os seus balanços repletos de títulos de dívida pública portuguesa (e não só), fruto da especulação nestes mercados. A 8 de Abril de 2011, o demissionário Governo Sócrates formaliza o pedido de financiamento à Troika. Este acontecimento é o inaugurar de uma nova era no país.
Os banqueiros nacionais tentaram impossibilitar a incursão da Troika até que, para os salvar (aos bancos), a mesma se tornou “inevitável”. A Troika estabeleceu o seu conjunto de exigências: (i) impôs reforços de capital ao sector financeiro português, muitos deles feitos através de dinheiros públicos; (ii) obrigou os bancos a baixarem os seus rácios entre crédito e depósitos de um valor que rondava os 160% para um máximo de 120%; e (iii) sujeitou os 8 maiores grupos financeiros nacionais a auditorias, sob a sua orientação.
Este conjunto de exigências veio desafiar e enfraquecer a margem de manobra do poder financeiro na periferia da Europa, nomeadamente, em Portugal. Este é o plano de fundo das intervenções externas: para salvar os grandes grupos financeiros mundiais, há que alargar as suas fontes de riqueza através do aprofundamento do domínio dos países periféricos face aos países mais centrais. Os banqueiros periféricos, habituados a determinar o rumo nacional dos acontecimentos, viram-se sob as ordens e o escrutínio de terceiros.
A 21 de Junho de 2011, toma posse o Governo de Passos Coelho. Um governo altamente alinhado com o plano da Troika. Enquanto um gritava “mata”, o outro clamava “esfola”.
O Grupo Espírito Santo (GES) – Não é má gestão, é crime!
No contexto geral da crise internacional, os negócios do GES, um emaranhado composto por cerca de 400 empresas, que actua nos sectores financeiro, imobiliário, construção, saúde, turismo, agricultura, energia, em 4 continentes diferentes, deixa de gerar a rentabilidade suficiente para financiar os investimentos anteriormente desenvolvidos. Os negócios passam então a funcionar constantemente, desde 2008, através do recurso ao endividamento. Ou seja, para pagar as dívidas de hoje, é pedido sucessivamente mais crédito que, por sua vez, será “pago” amanhã.
A dívida cresceu e adensou-se, até porque os lucros e, consequentemente, os dividendos do BES (que eram a principal receita do GES) caíram até deixarem de existir.
O próprio Ricardo Salgado admite, em Maio de 2014, em entrevista ao Jornal de Negócios, que “a crise bateu forte e bateu no Grupo [Espírito Santo]”.
O endividamento é de tal ordem que em Maio de 2014, a holding mãe do GES, a Espírito SantoInternational (ESI), para além de se encontrar em falência técnica, tem ainda uma dívida de 1,2 mil milhões € ocultada da sua contabilidade. Segundo o contabilista da holding, desde 2008 e sob a orientação de Ricardo Salgado, as contas tinham vindo a ser falsificadas como forma de encobrir a situação calamitosa do grupo.
De acordo com a informação tornada pública, a situação real da ESI cifrará uma dívida total que ronda os 7,3 mil milhões €, superior ao activo em 2,5 mil milhões €. Por outras palavras, se, no presente momento, o GES quisesse pagar toda a sua dívida, os seus activos não eram suficientes, faltando ainda 2,5 mil milhões €. Abriu-se a caixa de Pandora.
Precisamente em Maio de 2014, disparando os seus últimos cartuxos, Ricardo Salgado terá tentado financiar o GES em 2,5 mil milhões €, primeiro, através do Governo de Passos Coelho e depois através de altas figuras do regime angolano.
A primeira alternativa envolvia o financiamento daquela verba, através da intermediação do Estado português, por meio da CGD e também do BCP (ambos sob intervenção estatal). Após um penoso resultado eleitoral europeu para os partidos do Governo e a quase um ano das próximas eleições legislativas, Passos Coelho, na esperança de capitalizar ao máximo a crise do PS, não quis, no momento, agarrar a batata quente enquanto existissem mãos frias que pudessem adiar o problema. A segunda alternativa foi igualmente abortada. O Estado angolano, a braços com uma garantia bancária prestada ao BES Angola, no valor de 4,3 mil milhões € (lá iremos mais à frente), deu igualmente uma resposta negativa.
Hoje pode dizer-se que Ricardo Salgado e o GES estavam já completamente submersos e lançavam braços às últimas botijas de oxigénio.
Perante as irregularidades contabilísticas detectadas no GES, a Procuradoria do Luxemburgo abriu inquéritos a três empresas do grupo, sediadas naquele país, nomeadamente, à Espírito Santo Control(ES Control), à ESI e à Espírito Santo Financial Group. O GES acaba mesmo por pedir, aos tribunais luxemburgueses, a gestão controlada destas empresas como forma de estabelecer negociações com os seus credores.
O endividamento do GES foi de tal magnitude que atingiu um ponto sem retorno. Para pagar a dívida existente, não existindo crescimento da actividade do grupo, este recorreu ao crédito sucessivamente. Para além da falsificação de contas e sem mais por onde se financiar, foi criado, no GES, um “sistema de financiamento fraudulento”. Foram estas as palavras do Governador do Bando de Portugal (BdP). Depois de esgotados todos os parceiros que estariam em condições de financiar o grupo, este começou a fazê-lo através dos clientes do BES, primeiro através de fundos de investimento por si geridos e depois através de papel comercial. O BES chegou a emprestar, directamente, 1,5 mil milhões € ao GES.
Para além do BES, 2 mil milhões terão sido emprestados por institucionais, entre os quais estão a PT com 900 milhões € e a petrolífera do Estado venezuelano com 800 milhões €. Várias seguradoras do GES terão emprestado cerca de 230 milhões €, e 900 milhões € terão sido emprestados por pequenos investidores, tais como clientes do BES e clientes da gestora de fortunas suíça, a Banque Privée Espírito Santo. Estes valores deixam antever os milhares de particulares, pequenas e médias empresas que terão emprestado as suas poupanças ao GES, através da compra de papel comercial. É caso para dizer que o cancro foi alastrando e contaminando tudo por onde passou.
Em inícios de Julho de 2014, os receios em torno da solidez financeira do GES ganham corpo ao ter-se conhecimento público de que a suíça Banque Privée Espírito Santo está em incumprimento quanto ao reembolso de alguns clientes que tinham aplicações em dívida da ESI. Esta gestora de fortunas suíça acaba mesmo por vender, de seguida, parte do seu negócio ao banco suíço CBH como forma de pagar as aplicações dos seus clientes.
Como se não bastasse, o mês de Julho termina com a ESI a falhar o pagamento dos 900 milhões € emprestados pela PT. Este acontecimento teve e terá consequências catastróficas para a fusão que a PT estava a preparar com a brasileira Oi.
O mês de Julho termina com os bancos Espírito Santo nos EUA, Líbia, Panamá e Venezuela a serem alvo de investigações. É mais que certo que também estes bancos serviram para financiar a dívida do GES.
O que aconteceu no GES? Um brutal endividamento do grupo, que tinha vindo a ser escondido das suas contas e que desembocou na sua falência. A falência do grupo arrastou-se no tempo, agravando a sua situação, através de um financiamento fraudulento proveniente dos bancos e seus clientes pertencentes ao GES.
É urgente uma auditoria independente ao Grupo Espírito Santo!
BES, o Buraco dos Espírito Santo (2) - Prisão e confisco para quem roubou o BES!
O financiamento concedido pelo BES aos negócios do GES foi considerado o maior dos problemas para o banco, pois como já foi referido emprestou cerca de 1,5 mil milhões €, tornando-se mesmo o maior credor do seu próprio grupo.
Em inícios de Junho de 2014, surge o outro dos grandes problemas para o BES: o escândalo financeiro no BES Angola. Este banco, a actuar no mercado angolano, perdeu o rasto a empréstimos concedidos de forma discricionária, pela sua administração, no valor de 5,7 mil milhões €, 80% do total da carteira. Grande parte dos quais terão sido concedidos a empresas ligadas a altas figuras do regime angolano. Daí que o Estado angolano tenha prestado uma garantia de cerca de 4,3 mil milhões €, como contraparte dos créditos concedidos pelo BES Angola.
Como se não bastasse, chegou a vir a público que alguns dos milhões desaparecidos em Angola terão chegado a contas pessoais de Ricardo Salgado e do seu braço direito Amílcar Morais Pires.
A participação do BES no BES Angola é avaliada em 670 milhões € e o banco português tem empréstimos concedidos ao banco angolano no valor de 3 mil milhões €. O BES Angola está, neste momento, intervencionado pelo Estado angolano. Consequentemente, a garantia no valor de 4,3 mil milhões €, prestada pelo Estado angolano, foi revogada e o BES foi impedido de reclamar os créditos concedidos ao banco angolano. Para além deste gigantesco buraco financeiro, é perdida uma das mais importantes fontes de lucro para o BES e, por sua vez, para o GES.
O início do mês de Junho é também a altura em que o BES termina um novo aumento de capital na ordem dos mil milhões €. Mais uma operação de reforço do seu nível de capital que pretenderia equilibrar os empréstimos concedidos pelo BES ao restante GES.
A família, para evitar que a sua participação ficasse demasiado diluída no capital do banco, tenta acompanhar o aumento de capital. Pede 100 milhões € ao banco japonês Nomura e acaba o aumento de capital com 25% do BES. Deixa de ter uma posição de controlo mas continua a ser o seu maior accionista. Como garantia de boa cobrança daquele empréstimo de 100 milhões, a família dá 5% das acções do próprio BES.
Um mês depois, face ao crescendo de dúvidas levantas quanto à solidez do GES e à dimensão da exposição do BES ao seu grupo, as acções do BES desvalorizam abruptamente e a família Espírito Santo acaba por perder os 5% do BES para o banco Nomura. A participação da família ficou nos 20%.
A crescente desconfiança na solidez do GES e do BES culmina, no dia 14 de Julho, com a substituição do líder histórico Ricardo Salgado por Vítor Bento. Para a nova administração entram também João Moreira Rato, que vai ocupar o cargo de administrador financeiro, e José Honório, como vice-presidente da comissão executiva do banco.
A família perde a gestão e grande parte da propriedade do Banco.
Os últimos dias de Julho de 2014 são o fim de uma era: Ricardo Salgado é detido, ouvido em tribunal e constituído arguido no caso Monte Branco, estando em causa a prática de crimes de burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais. O banqueiro sai em liberdade mediante o pagamento de uma caução de 3 milhões €. Pelos vistos, a impunidade tem um preço para quem o pode pagar!
No dia 30 de Julho, o BES apresenta prejuízos semestrais nunca antes vistos em Portugal - 3,6 mil milhões €. Estes resultados, segundo palavras do Governador do BdP, reflectem “a prática de actos de gestão [, pela administração de Ricardo Salgado,] gravemente prejudiciais aos interesses do BES e a violação de determinações do BdP que proibiam o aumento da exposição a outras entidades do GES.”
No dia 31 de Julho são descobertas, pelo BdP, perdas de 1,5 mil milhões € provenientes da actuação da administração de Ricardo Salgado, nos seus últimos dias no Banco. Este valor contribuiu para que os prejuízos do Banco aumentassem exponencialmente e alcançassem o valor de 3,6 mil milhões €. Não se sabe do paradeiro daquele milhar e meio de milhão. A restante administração de Salgado acaba suspensa pelo BdP e nos dois dias seguintes as acções do banco caem 40% e 50%, respectivamente.
O culminar de todo o episódio dá-se com o BES a deixar de ter liquidez assegurada pelo BCE, a par da obrigação daquele reembolsar a totalidade do seu crédito junto do Eurosistema, em cerca de 10 mil milhões €. Sem acesso às linhas de financiamento do BCE, o BES está em suspenso. 3 de Agosto de 2014, Domingo, sob a orientação do BCE, e contra todas as promessas do Governo e BdP, dá-se a intervenção do Estado no Banco e no GES.
É necessária uma gestão pública da banca! Não a soluções “a la BPN”!
BES, o Buraco dos Espírito Santo (3) - Impunidade para banqueiros, custo para a população!
A solução encontrada para o BES: impunidade para banqueiros, custo para a população!
A solução desenhada pelos de cima é, para já, “habilidosa”. Para os de baixo, cedo se transformará em desastrosa. Os activos do Banco foram divididos entre “activos bons” e “activos maus”, sendo estes considerados os de difícil recuperação.
Os activos de difícil recuperação, fruto da gestão fraudulenta da administração de Salgado, ficam estacionados no antigo BES, que preserva o seu nome e os seus accionistas. As operações do BES em Angola, Miami, EUA e Líbia ficam no BES, assim como os créditos concedidos a sociedades do GES. Passivos relacionados com anteriores accionistas, membros da administração de Salgado (e seus familiares) ficam também no BES. Eventuais indemnizações que possam decorrer das situações que configurem fraude ficam no BES. Esta poderá parecer uma boa solução, se o grupo não estivesse já completamente descapitalizado e as fortunas pessoais não estivessem já a salvo em offshores. O BES é então transformado num “banco mau”, um zombie descapitalizado e endividado. A família Espírito Santo fica como principal accionista de um banco tóxico e na presidência da sua administração ficará Luís Máximo dos Santos que já faz a gestão da falência do BPP.
O conjunto de “activos bons” constitui aquilo que se transformou no Novo Banco, capitalizado pelo Fundo de Resolução. A administração do Novo Banco é composta por Vítor Bento, José Honório e Moreira Rato. Os restantes 3 elementos transitam da anterior administração de Salgado.
O Fundo de Resolução foi criado em Dezembro de 2012, pelo Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, sob a orientação da Troika. Este fundo foi formulado com o objectivo de prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo BdP (como é o caso) e é alimentado por contribuições das instituições financeiras e pelas receitas do imposto extraordinário, cobrado pelo Estado, sobre o sector bancário – ou seja, é dinheiro público.
Como este fundo apenas dispunha, em Agosto de 2014, de cerca de 380 milhões € e o Novo Banco necessitava de uma dotação de capital de 4,9 mil milhões €, o Estado emprestou o dinheiro dos contribuintes ao Fundo de Resolução. Será um empréstimo a 3 meses renovável até 2 anos, com uma taxa de juro que não trará lucro ao Estado, pois será exactamente a mesma que é paga à Troika. O Estado, através do dinheiro público injectado no Fundo de Resolução, será então o único accionista do Novo Banco.
O Governo de Passos Coelho e o Governador do BdP, esforçam-se por estimular a ideia de que a intervenção no BES é para estabilizar a situação financeira portuguesa e que a participação do Fundo de Resolução no Novo Banco é para ser vendida o mais rapidamente possível (no limite, até ao final do ano de 2014).
De facto, é provável que a intenção seja vender o banco o mais rapidamente possível, pois só assim a capitalização do Novo Banco deixará de pesar no défice público e não terá maiores repercussões políticas sobre o Governo. O pior será concretizar o plano em cima da mesa. Quem irá comprar o Novo Banco, que saiu do maior buraco financeiro português, por 4,9 mil milhões €, estacionado numa economia parada, dentro de um período de apenas 4 meses?
A Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, já garantiu que os contribuintes não vão pagar a intervenção no BES porque foi accionado o Fundo de Resolução que é da responsabilidade do sistema financeiro (ou seja, dos restantes bancos portugueses). Relembramos que foi o capital público que serviu para capitalizar a restante banca portuguesa, portanto, não será através do artifício de um tal Fundo de Resolução que a factura nos irá sair das costas.
A intervenção no BES é apenas mais um episódio (por sinal, o pior em Portugal) da receita que tem vindo a ser aplicada: os de cima, banqueiros e grandes empresários, esbanjam, criam dívidas e desemprego; e os de baixo, vivendo cada vez pior, ainda pagam a factura!
Todos os acontecimentos descritos podem significar alterações profundas no Regime e Estado portugueses. Espelham um processo alongado de enfraquecimento da elite política e empresarial nacional, um deslocamento de importantes instituições nacionais para mãos de estrangeiros e um salto qualitativo no processo de dependência de Portugal face aos países centrais da Europa.
Prisão e confisco para quem roubou o BES!
BES, o Buraco dos Espírito Santo (4) - A face política
A face política do buraco BES/GES
Existe uma pergunta que subsiste: como é que uma instituição como a família Espírito Santo, uma das mais importantes, se não a mais importante do presente Regime, que sobreviveu com uma importância semelhante a todos os regimes dos últimos 140 anos, presente em 4 continentes, apelidada de “dona disto tudo”, perde o seu poder abruptamente, em apenas 3 meses?
A complexidade da resposta envolve um conjunto de intervenientes.
Primeiro a questão: qual tem sido o papel dos intervenientes externos? Através da Troika, o BCE tem exercido uma enorme pressão para que a banca europeia se dote de maiores níveis de capitais, pressão à qual o BES não ficou alheio. Desde 2008, o BES reforçou o seu capital em cerca de 3,4 mil milhões €, forçando as suas holdings a endividarem-se para ir tentando manter a posição de controlo da família Espírito Santo, enfraquecendo o grupo de conjunto.
Esta constante pressão é acompanhada de fortes restrições à concessão de crédito e de um prolongado escrutínio interno ao sector.
O Banco de todos os regimes, habituado a negociar, pressionar e manobrar vários governos, encontra-se com um interlocutor cujo interesse é defender os interesses da banca internacional, mais poderosa. Um interlocutor que, para salvar o Euro, pretende adensar o processo de dependência dos países periféricos da Europa. Um interlocutor que, sob este projecto, não negoceia, impõe.
Segundo, no caso português, o Governo de Passos Coelho, composto por uma série de tecnocratas, sempre se pautou pela determinação em ir mais longe que a própria Troika. O memorando assinado com o FMI, Comissão Europeia e BCE formaram a base do programa do Governo de Passos Coelho e, como tal, os interesses aí espelhados distanciaram banqueiros e governantes. A banca ficou agrilhoada pela crise, demasiado exposta às dívidas públicas e ao sector empresarial do Estado, factores que, conjugados com sucessivos reforços de liquidez, fragilizaram os bancos nacionais. A sua capacidade financeira e, consequentemente, negocial saíram diminuídas.
O primeiro episódio foi registado logo em Agosto de 2011, quando o Governo de Passos Coelho contratou, por ajuste directo, o Banco de Investimento da Caixa e o Banco de Investimento americano Perella Weinberg para assessorar o Estado nas privatizações da EDP, REN e Galp. Apesar de o BES, após pressão sobre do Governo, ter conseguido vários contratos para assessorar o Estado noutras privatizações, o episódio evidencia alterações nas relações.
Em meados de 2013, numa reunião da Associação Portuguesa de Bancos, o Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, também conhecido como “o quarto elemento da Troika”, perante dúvidas levantadas por Ricardo Salgado quanto à sustentabilidade da dívida pública portuguesa, retribui duramente: “Se eu fizesse declarações sobre a dívida do BES tinha muito a dizer.” É a maior reprimenda ao banqueiro de que há memória, se é que existiu outra.
Para além de denunciar, já na altura, o que se viria a desenrolar, esta é apenas a demonstração de que Vítor Gaspar, com uma vida profissional intimamente ligada às mais altas instituições europeias, é uma das faces dos grandes interesses europeus. E esses interesses ditam que a estabilidade do centro financeiro internacional será feita à custa de um abrupto processo de aprofundamento da dependência da periferia. Não haverá espaço à defesa de interesses periféricos. Na sequência deste episódio, Ricardo Salgado chega mesmo a desculpar-se ao Ministro.
Mas Vítor Gaspar não seria o único elemento do Governo altamente alinhado com os planos da Troika. Após a demissão de Vítor Gaspar, em Julho de 2013, como forma de assegurar a continuidade do trabalho desenvolvido, é nomeada para o seu lugar o seu braço direito, a então Secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque.
Em meados de 2013, os dois, Gaspar e Albuquerque, protagonizaram o episódio dos “contratos swap”, evidenciando a sua proximidade à alta finança internacional em detrimento das empresas públicas. A dupla terá tido conhecimento, desde o início do seu mandato, das perdas potenciais acumuladas para o Estado com este tipo de contratos, sem nada ter feito, acumulando perdas potenciais calculadas em 3 mil milhões €. Entre os bancos que beneficiaram e beneficiam com a venda de tais contratos encontramos o Merril Lynch, JP Morgan, Goldman Sachs, Credit Suisse, Deutsche Bank, Santander,Barclays, ABN Amro ou o BNP Paribas.
Vítor Gaspar seria apenas a cara mais visível do interesse da grande finança. Álvaro Santos Pereira, por seu turno, no Ministério da Economia e do Emprego, sob o mote de "fazer tudo para continuar a diminuir a despesa do Estado", acompanhou parte do escrutínio das contas públicas que colocou a nu os negócios por detrás das parcerias público-privadas (PPP). Os encargos do Estado com as PPP foram considerados excessivos pelos credores externos e, como tal, acabaram por ser renegociados impondo uma redução substancial dos lucros garantidos às concessionárias e aos financiadores – a banca nacional.
Quanto ao BES, este foi, desde a década de 1990, um dos principais bancos intervenientes nos aliciantes negócios das PPP: enormes somas de investimento público, financiadas pela banca, com risco praticamente nulo. Além do financiamento a projectos de grande envergadura, o BES foi estruturando o seu posicionamento no sector das PPP também como construtor (através da Opway) e gestor de infra-estruturas através da participação em várias concessionárias. Tendo o BES uma intervenção tão activa nos negócios com o Estado, o impacto da renegociação dos vários contratos terá sido igualmente considerável.
Em Julho de 2013, aquando da saída de Vítor Gaspar, Álvaro (como gostava de ser tratado), por seu lado, encontra-se num ministério vazio, cujas competências tinham vindo a ser distribuídas por outras pastas. Acaba também por sair nas alterações governativas desse verão.
Em Fevereiro de 2012, a renegociação das PPP, os processos das privatizações, a reestruturação do sector empresarial do Estado e a situação da banca eram pastas que tinham já sido retiradas das competências do Ministério da Economia e do Emprego e “privatizadas”, por Passos Coelho, a uma empresa do falecido António Borges. Este era um elemento que tinha a Troika no sangue: foi vice-presidente do banco americano Goldman Sachs, consultor do Departamento do Tesouro dos EUA, colaborou com a UE na criação da União Económica e Monetária e foi Director do Departamento Europeu do FMI. Perante este currículo, realmente, não se distingue onde começa o homem e onde acaba a Troika.
O Secretário de Estado Adjunto de Passos Coelho, que negociou (ou melhor, que aceitou sem dissonância) o programa da Troika foi Carlos Moedas. Para este, cumprir o memorando da Troika foi “executar políticas necessárias a bem dos portugueses” (palavras do próprio no site do Governo). Também Carlos Moedas passou pela alta finança, nomeadamente, o banco americano Goldman Sachse o alemão Deutsche Bank.
João Moreira Rato, o homem escolhido por Vítor Gaspar para dirigir os destinos da emissão da dívida pública portuguesa como presidente do IGCP e o agora Administrador Financeiro do Novo Banco (activos bons do BES), fez também passagem pelo falido banco americano Lehman Brothers, pela financeira americana Morgan Stanley e pelo já repetido Goldman Sachs.
José Luís Arnaut, alto quadro do PSD, que esteve profundamente envolvido, e em simultâneo, tanto do lado do governo, como do lado das empresas interessadas nas privatizações da REN, ANA, TAP e CTT, envolveu-se ainda nas negociações dos swaps, representando a alta finança, e nas reestruturações do BCP e Banif. Embora não tenha ocupado nenhum cargo oficial no Governo de Passos Coelho, Arnaut foi uma sombra de tal envergadura, para os interesses da finança internacional, que acabou recentemente contratado para o Conselho Consultivo Internacional do Goldman Sachs. Sob a sua responsabilidade terá, entre outros, o mercado do sul da Europa e ainda Angola e Moçambique. Este conselho serve sobretudo para abrir portas a futuros negócios do banco americano.
Temos então um Governo com uma equipa nas finanças e economia, ministérios com que a banca mais se relaciona, altamente ligada e assessorada pelos interesses da alta finança mundial e da Troika. Para termos uma noção o banco Goldam Sachs é conhecido por colocar ex-funcionários nos lugares de topo que decidem o rumo da economia global - de tal forma que os concorrentes lhe dão a alcunha deGovernment Sachs.
O BES que durante os 40 anos de democracia teve 25 dos seus quadros nos vários governos, vê assim os interesses da finança mundial intrometerem-se entre si e o governo português. O próprio BES assiste, no seu último aumento de capital, à sua invasão por fundos de investimento americanos, altamente especulativos, através do aumento das suas participações que passaram a totalizar cerca de 16% do banco. São eles o Silchester, Capital Research, BlackRock e Baupost.
Fim dos privilégios para políticos e banqueiros, a casta rasca!
BES, o Buraco dos Espírito Santo (5) - A face política do buraco BES/GES
Como terceiro factor que contribuiu para a fragilidade do BES, elencam-se as quezílias entre os pares de Salgado.
A mais destrutiva terá sido a guerra com Pedro Queiroz Pereira (PQP), industrial, accionista de controlo da Semapa e antigo aliado dos Espírito Santo. Este era igualmente administrador e accionista (com 7%) da ES Control, holding de topo do GES.
As relações entre as famílias Queiroz Pereira e Espírito Santo terão sido pisadas em 2001, quando o BES apoiou o chumbo da oferta pública de aquisição de PQP sobre a Cimpor, tendo o Banco chegado a apoiar a francesa Lafarge na compra de uma parte da cimenteira.
Após este episódio, as relações ainda pioraram com a luta pelo controlo da Semapa. Segundo a informação publicada, Ricardo Salgado terá gerido, durante uma década e por intermédio de uma sociedade luxemburguesa anónima, uma importante participação no grupo Semana. Faltaria apenas 1% para que Salgado dominasse, com os seus aliados, o grupo Semana. Em 2012, a intenção do banqueiro seria mesmo a de controlar a Semapa, o maior grupo industrial português.
PQP, ao descobrir, sentiu-se traído e terá montado um plano para afastar os Espírito Santo do capital social do seu grupo, pelo menor preço possível. Criou uma equipa, dentro da Semapa, para passar a pente fino as contas da ES Control. Constituiu um dossiê que revelava todo o buraco financeiro do GES. Aliou-se ao BPI, com mais de 10% da Semapa, e foi este que detectou a dimensão da exposição que o fundo Espírito Santo Liquidez, vendido aos clientes do BES, tinha a títulos de dívida de empresas do GES. Em Outubro de 2013, PQP, enquanto administrador e accionista da ES Control e como forma de pressionar a saída dos Espírito santo da Semapa, denunciou ao BdP indícios de irregularidades naquelaholding, levantou problemas sobre a estrutura de gestão e fez passar a ideia de que existiam fragilidades financeiras no GES.
Esta era em 2013, apenas uma das frentes de batalha de Salgado, a maior, sem dúvida. A par desta, e talvez como consequência, justou-se a factura deixada pela administração de Álvaro Sobrinho no BES Angola e, entre a família, Ricciardi começou a levantar dúvidas sobre a capacidade de liderança de Salgado.
Foi precisamente a partir de Outubro de 2013 que o reinado do BES se começou a desmoronar.
Como quarto e último factor surge a justiça portuguesa. Se na última década todos os casos criminosos que envolviam os Espírito Santo passaram impunes, é precisamente agora que um caso de fuga fiscal cria um clima de condenação e um escrutínio da vida da família.
Olhando para a última década, o BES viu-se envolvido: (1) Caso Portucale com ministros do CDS-PP; (2) Caso dos Submarinos com Paulo Portas; (3) Caso Mensalão e o financiamento do PT de Lula da Silva; (4) fraude na gestão dos CTT, onde se inclui a venda de imóveis valorizados do dia para a noite; (5) Operação Furacão e (6) Operação Monte Branco relacionadas com fraude fiscal e branqueamento de capitais; (7) 14 milhões de euros que Ricardo Salgado não declarou ao fisco; (8) informação privilegiada aquando da venda de acções da EDP; casos de branqueamento de capitais em (9) Angola e (10) Espanha, etc. e nenhum dos casos teve qualquer espécie de responsabilização ou punição da família Espírito Santo.
Perante o relativo isolamento do poder político, a vulnerabilidade trazida pelos casos de corrupção, uma população calejada de crimes financeiros e, principalmente, perante o enfraquecimento financeiro do GES a justiça parece estar em ruptura com os interesses instalados e em sintonia com os interesses externos que se vão instalando.
É certo que nada aconteceu a Ricardo Salgado ou à sua administração pela gestão danosa do seu grupo, é certo que a justiça nada fez que pudesse, de facto, punir a continuada actividade corrupta do banqueiro. Mas, por outro lado, também é verdade que nunca antes nenhum banqueiro português terá pago uma caução de 3 milhões € para permanecer em liberdade.
Parece que a justiça, em defesa dos novos interesses da banca internacional, ainda que não resolvendo nada, é um pouco menos branda com os velhos interesses instalados.
Todos estes factores são indícios daquilo que poderá prepara-se no futuro.
Se até aqui a banca nacional era detida maioritariamente por capitais nacionais, isso está prestes a deixar de ser uma realidade. Este é um factor fundamental para a independência de um país. O sector financeiro gere os recursos de toda uma economia. Com eles influência e determina o poder político, dita o investimento, vai construindo o caminho para o futuro (quer seja bom ou mau). Sem eles está a mando de interesses externos, a dependência do país intensificasse de forma mais rápida e os povos periféricos vão-se tornando reféns das grandes economias mundiais que daqui só querem extrair mais e mais riqueza.
O conjunto de factores enunciados ditou uma enorme fragilidade do capital nacional. Não existindo nenhum banco português com força financeira para entrar no Novo Banco, este pode muito bem ser o fim de um Regime, que até agora era dominado pela burguesia nacional, e que daqui em diante será determinado pela burguesia internacional. Com a venda do capital do Novo Banco, muito provavelmente, a estrangeiros, seremos um país confinado ao desenvolvimento que a banca internacional ditar.
A médio prazo, o plano da Troika, de devastação da economia portuguesa, será levado às últimas consequências. Os serviços públicos, como a saúde e educação, sofrerão uma destruição ainda mais acentuada até tudo estar privatizado. O investimento público e privado serão condicionados, o Estado ficará refém de interesses internacionais. Os salários continuarão a baixar como forma de extrair mais lucro e as condições de vida continuarão num logo processo de destruição. A economia tornar-se-á progressivamente mais dependente. Este poderá ser um duro processo de colonização, não só de Portugal mas de todos os países periféricos.
Não que a banca na mão de capital privado nacional nos assegurasse alguma destas realidades. Que se olhe para os últimos anos. Mas o que é facto é que a banca na mão de estrangeiros só irá adensar e acelerar o processo de empobrecimento.
Basta de impunidade! Prisão e confisco para quem roubou o BES, GES e o País!
É urgente uma auditoria independente ao Grupo Espírito Santo!
Nem um só despedimento dos trabalhadores do BES e GES!
É necessária uma gestão pública da banca! Não a soluções “a la BPN”!
José Aleixo