sexta-feira, 1 de abril de 2016

SÓCRATES, LULA, SALGADO e PTs. Oi?


Sócrates, Lula, Salgado e PTs, Oi?

EVA GASPAR *

egaspar@negocios.pt | 27 Novembro 2014






Não, não vou desvendar a trama. Nem sei se há trama, se trama for um emaranhado pensado, organizado, com padrões que se repetem, como um casaco de tricot. Pode ser um novelo caótico e sem sentido. Podem ser coincidências, porque elas existem. Pode ser assim porque o mundo virou aldeia. Há, no entanto, um fio. E muito se passa por ele.




Em 1998, nasce um fio que vai de Portugal ao Brasil para levar mais longe a internacionalização da então maior empresa portuguesa. Lançado num novo ciclo de privatizações, o fio deu muitas voltas, assistiu ao fim do casamento ibérico na Vivo e ao casamento forçado com a Oi, e emaranhou-se entre PTs: na Portugal Telecom e no Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva. 

Presidente do Brasil entre 2003 e 2011, Lula continua em 2014 a ser perseguido pelo "Mensalão" que persegue a PT que perseguia fazer bons negócios no Brasil para si e para os seus accionistas, entre os quais o BES e a Ongoing.  Em 2012, o publicitário Marcos Valério – o mais duramente condenado no caso de compra de votos de políticos com dinheiro desviado de empresas públicas (e não só) – apresentou uma denúncia. Acusa Lula de ter negociado, em 2005, com Miguel Horta e Costa, então presidente da PT, o pagamento de sete milhões de reais (2,6 milhões de euros) para o PT brasileiro. A PT nega. Lula, há nove meses convocado pela Polícia Federal para depor, ainda não compareceu.

Por esse fio passou, além de Horta e Costa, António Mexia (ministro das Obras Públicas, entre 2002 e 2004) e Ricardo Salgado, presidente do falecido BES e accionista de referência da velha PT, todos eles arrolados como testemunhas de defesa de José Dirceu, o-todo-poderoso chefe da Casa Civil de Lula, que acabou também condenado no "Mensalão".

Em Outubro de 2013, Lula trouxe esse fio de volta a Portugal ao escrever o prefácio e apresentar o livro do mestrando José Sócrates. Na concorrida plateia do Museu da Electricidade, património da EDP presidida pelo ex-ministro António Mexia, estava Pinto Monteiro, ex-Procurador-geral da República (PGR) que cumpriu a ordem de destruição das escutas que conservavam conversas entre o então-primeiro-ministro e Armando Vara, condenado em Setembro no âmbito do processo Face Oculta.

Aproveitando a estadia em Lisboa, Lula levou esse fio ao Solar dos Presuntos, onde jantou com o empresário Emílio Odebrecht. Com Odebrecht, o fio volta ao Brasil, onde a construtura com o seu nome é agora acusada de receber até 1600% do valor de mercado em obras contratadas pela Petrobrás.

novelo da Petrobrás tem sido meticulosamente desenrolado por um juiz de Curitiba, Sérgio Moro, que há três semanas deteve para inquérito empresários das grandes construtoras do país. É o caso da Camargo Corrêa cuja holding é dona da Cimpor. De fora ficou a Andrade Gutierrez de Otavio Azevedo, accionista de referência da Oi que neste Verão obrigou à revisão de alto a baixo das condições da fusão com a PT depois de se ter dado conta de que os 900 milhões investidos pela empresa nos Espíritos Santos, entretanto caídos do altar, podem ser tara perdida. Terá sido também o Dr. Otavio quem forçou Zeinal Bava a dizer "tchau"à Oi (com uma indemnização simpática, ao que parece).

A linha de investigação do juiz Moro segue as empresas suspeitas de pagarem "luvas", e tem sido apoiada por um poderoso aliado, importado dos Estados Unidos. A delação premiada pode parecer um contra-senso moral – "pior do que o criminoso é o cúmplice que o denuncia" –  mas a possibilidade de a comunidade aliviar a sentença das sardinhas a troco da promessa de entrega de tubarões tem permitido à justiça brasileira mergulhar em águas mais profundas.

Sem verdadeira surpresa, as gravações das denúncias dos dois delatores-chave neste processo, Alberto YousseffPaulo Roberto Costa –  se quiser pode ouvi-las no Youtube graças a violações do segredo de justiça - levam a partidos políticos. Levam, por exemplo, ao actual tesoureiro do PT, João Vaccari, que tomou o lugar de Delúbio Soares porque este ficara também literalmente preso na teia do "Mensalão". Antes, Delúbio estivera envolvido noutra "Máfia de Vampiros", um conluio de farmacêuticas e figuras ligadas ao Estado brasileiro que vendia derivados de sangue humano a preços exorbitantes. Nessa trama estava a Octapharma, que, até há pouco, pagaria 12 mil euros por mês ao seu conselheiro consultivo para a América Latina.

"Nunca me perguntou nada de Justiça. Falámos de livros, das viagens dele, falou do Lula", disse Pinto Monteiro sobre o almoço com José Sócrates, dois dias antes de o ex-primeiro-ministro ser detido para interrogatório.

Pouso o meu fio. E constato.

Que há gente no espaço mediático que parece mobilizada em apenas discutir a forma da detenção de José Sócrates para que não haja tempo para falar sobre o conteúdo – sobre as razões que a precipitaram.

Que há gente que não perde a oportunidade para se queixar de que é o "mexilhão" que sempre paga e que no momento em que dois grandes – colossos – dos negócios e da política são detidos passam apenas a ter dentes para morder supervisores, polícias e juízes.

Que há gente que argumenta que num Estado de Direito não se pode aspirar a julgamentos justos quando a rua também julga. Tomado à letra, isso significaria que só o "mexilhão" anónimo pode ser levado à barra dos tribunais. Significaria ainda que ser-se "too big" é ter na mão um salvo-conduto para a impunidade. 

Há gente também que, perante suspeitas de crimes graves, diz temer uma República de Juízes e uma transferência ilegítima do poder executivo para o judicial e que, há uns meses, aplaudia de pé as decisões do Tribunal Constitucional que, entre outras, impediram coisas aparentemente tão exclusivas de governos como tributar rendimentos provenientes de subsídios de desemprego a partir do momento em que estes superam o equivalente ao salário mínimo recebido e devidamente tributado por quem está no activo.

Muita desta gente fala em mesas redondas em televisões que mandaram operadores de câmara para o aeroporto. Parecem salas de chuto onde se deplora a qualidade da droga.

E depois há Daniel Proença de Carvalho. O advogado de Ricardo Salgado e de José Sócrates (não o é neste caso porque o seu habitual cliente não lhe pediu, mas estará por dentro porque um dos seus representa o motorista do ex-primeiro-ministro), membro de órgãos sociais de mais empresas do que dá para contar com dedos de mãos e pés, receia que, com tantos e complexos processos, o juiz Carlos Alexandre não consiga dar conta do recado e se contente em ser o "herói dos tablóides".

Daniel Proença de Carvalho acha também que a decisão de prisão preventiva não faz sentido, designadamente porque "o perigo de fuga parece ridículo". E porquê? "É evidente que o engenheiro José Sócrates, se não quisesse comparecer perante as autoridades, não teria feito a viagem de Paris para Lisboa naquele dia, e porventura teria feito para outro país qualquer", disse na TSF, rádio do universo Controlinveste a que preside. Mas, afinal doutor, quem teve primeiro acesso às fugas do segrego de justiça? Os jornalistas ou o ex-primeiro-ministro?

Talvez a democracia portuguesa nunca tenha estado tão viva. Não falta contraditório. Sobra contradição.

*Eva Gaspar é jornalista do Negócios desde 2003, sendo actualmente Redactora Principal. Licenciada em Economia pelo ISEG, começou a sua carreira no Diário Económico. Entre 1994 e 2002 foi correspondente do jornal de economia em Bruxelas 

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